Dizem que tenho Alma de poeta. É possível, mas para além de poeta, sou mulher, fui criança, sou ser humano. Na grande maioria das vezes vejo e sinto coisas que só sei expressar por palavras, por imagens. É um jeito de ser... é o meu jeito de pôr a Alma no scriptum...

terça-feira, 2 de novembro de 2010

*Crónicas de uma terra qualquer * # 4 // Cidões



Como todas as tradições trazidas das profundezas dos tempos ancestrais, pelo frágil fio condutor da oralidade, ninguém sabe onde exactamente é que começou...Há quem acredite que foram os Celtas que trouxeram estas celebrações nos seus cultos à mãe natureza.
Assim numa aldeia perdida entre os silenciosos e iluminados montes do norte do nosso país, uma aldeia como tantas outras espalhadas por esse país fora, mantêm-se vivas as memórias de tempos perdidos, festejando-se ainda as tradições e as festas populares. Mas não é só a tradição que se celebra. Celebra-se a vida, que parece querer abandonar a velha aldeia, que no seu dia a dia mantém  rotinas iguais desde há décadas atrás, e que foi perdendo os seus rebentos em favor de aglomerados de gente que se rendeu ou foi obrigada a render-se à chegada da modernidade. Essa vida que chega nos rostos de todos aqueles que mantêm ali as suas raízes apesar de florescerem em terras distantes, ou de todos aqueles que como eu vêm trazidos pelo gosto ao que é nosso, ao que ainda é genuíno e que mantém a nossa identidade como povo e como gente.
E ali celebra-se a vida e a música, o companheirismo e a arte de bem receber, há sempre uma porta aberta e um sorriso pronto a ser oferecido o outros que ninguém sabe de onde vêm e de onde são, mas que são sempre bem vindos e onde ninguém se faz rogado a partilhar o pão, o vinho , a carne e a música que nasceu no peito e do trabalho daquelas gentes e que partilham com todos como se amigos de longa data se tratassem. É aqui que ainda se pratica a expressão bem portuguesa, amigos dos meus amigos meus amigos são...
A noite começa aquecida pela enorme fogueira que afugenta o incómodo das noites frias que trás o inicio de Novembro. As labaredas afogueiam a caminho dos céus, iluminado a noite e as vidas. Dizem que simboliza a renovação,o renascimento, a transformação do que foi mau em algo novo que se quer precioso e vivo como as chamas que aquecem e iluminam a noite. A cabra machorra ( leia-se matchorra e significa que a cabra é estéril, ou seja não procriou ) é cozinhada e distribuída por todos os que aqueles que ali se encontram, cozinhada de forma aguçar o apetite exigente de quem gosta do que é bom e tradicional, o vinho banha e multiplica-se pelos copos escorrendo nas gargantas secas de quem convive e canta. Aqui e ali grupos de gente inicia espontâneamente os seus cantares e partilham-se cantigas e moditas que todos sabem e que todos aprendem...



 O Diabo chega na sua carroça barulhenta e vem saber quem comeu a cabra. Na sua volta pela povoação vai espalhando o "terror", semeando o caos e a desordem à sua passagem e o barulho invade a noite que é trespassada pelos risos e pelas brincadeiras que ninguém leva a mal e que fazem parte da alma das gentes... Por fim é servida a queimada uma aguardente de sabor surpreendente e que é servida ainda em fogo.



Termina-se a noite com as voltas à fogueira pedindo-se que o novo ano que com o inverno se pretende que renasça, traga prosperidade e boas vivências. A música e a boa disposição preenche o resto. Gente amiga e acolhedora espalha alegria pelos que os rodeiam e mantém vivo o que por inadaptação estaria condenado à morte lenta. Mas é o amor ao que é nosso , que nos caracteriza, o amor à vida e à forma de bem viver que mantém esta forma de sermos gente e que vai mantendo viva, através da perpetuação dos festejos, uma tradição que ao passar de geração em geração atravessa a longa cruzada dos tempos, levando ecos das nossas vivências através dos milénios.

2 comentários:

  1. ‎17 H- ENTARDECER NO OUTONO.
    Coloca-te a meio da ponte do manhuço, fecha os olhos, ouve o crepitar da cachoeira a montante, (antiga presa do Refino)
    Agasalha-te, a aragem gela-te as orelhas. Agora abre os olhos, vira-te p jusante, contempla a...s várias tonalidades do amarelo das folhas dos choupos, espelha-te nessa água quase cristalina do poço do manhuço com a fundura de uma corda carral, dizem. Ergue mais os olhos no horizonte, observas algumas casas e uma igreja matris, é a pitoresca aldeia de Cidões, parece que está no fundo de uma garrafa. ondéke os meus longincuos antepassados foram edificar esta bela aldeia!!! Gente sensível que a visita fica encantado com a beleza natural e com a hospitalidade das suas gentes. Obrigado aos visitantes "lou Alma" pelo texto supra, voltem sempre.

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  2. E quem ouve o cantar das águas ao entrar na ponte, sabe desde logo com fala a natureza por aqueles lados. É incrível que ao passar a ponte, quase que entramos numa outra dimensão, num tempo onde o tempo não é rei dando apenas lugar ao espaço...
    Obrigado eu, por conservarem assim o que de mais nosso temos, as tradições =)

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