Dizem que tenho Alma de poeta. É possível, mas para além de poeta, sou mulher, fui criança, sou ser humano. Na grande maioria das vezes vejo e sinto coisas que só sei expressar por palavras, por imagens. É um jeito de ser... é o meu jeito de pôr a Alma no scriptum...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A forma de um sonho...

Toca a campainha. O som estridente ecoa pelo corredor praticamente vazio, como uma corrente de ar frio a tentar provocar remoinho. Consegue. O peso do cansaço, não consegue ganhar a batalha contra aquele som afiado. Levanto-me a custo e ela volta a soar, sempre me perguntei porque é que quem toca a campainha deseja secretamente que estejamos logo ali, atrás da porta...
Abro-a. Com a motoreta estacionada rente à porta, sentado no assento, sorriu-me. Não consigo deixar de sorrir, apesar do peso que carrego na fronte e nos olhos. Desculpa, acordei-te. Não! conseguiste chegar uns minutos antes da sorna. Voltamos a rir os dois. Olho de novo para ele, sentado na motoreta, mesmo rente à porta e não posso deixar de pensar nas pequenas maravilhas desta terra. Qual será o outro sitio em que o carteiro se mantém sentado, junto à porta, a encetar conversas como se tivéssemos 30 segundos de conversa de café, enquanto ele faz a sua obrigação.
Hoje é uma mão cheia! retira da bolsa um pequeno pacote e sinto os meus olhos abrirem, avidos da surpresa que guarda o pacote amarelado. Junto, uma carta à qual não dou o mínimo valor. Vejo o remetente e termino a dizer-lhe que afinal valeu a pena levantar-me. Vês? o carteiro até é um bom amigo, não traz só más noticias, vá e toma lá uma revistinha para leres na casa de banho. Fecho a porta ainda a rir, depois de lhe desejar bom trabalho. As mãos parecem presas, ao tentar livrar-me do pacote, para por a descoberto o que lá vem dentro...
Sinto-lhe o toque, macio, quero absorver o cheiro, todos os pequenos milésimos de segundo que constroem o momento, este momento, único. Observo-lhe as formas, as cores, quero guardar na estante das minhas memórias o momento...
Qual é a forma de um sonho?
Quantas formas, pesos, medidas lhe podemos dar. Observo-o quase emocionada. Pequeno, tal como o imaginei nestes últimos tempos, em que fui dando esta forma ao meu sonho. Cheira a novo, a falta de mãos, de poisos, quase que me observa, procurando preenchimentos humanos, mãos que o toquem, localizações possíveis e prováveis, para o encaminhar finalmente na realidade dos dias que se seguem...
Acaricio-o e fecho os olhos, uma lágrima espreita ao canto do olho, vem acompanhar o sorriso, aquele verdadeiro, vindo do fundo desta alma, que há muito tempo não presenteava a vida com um sorriso destes. E por tão importante não poderia vir sozinho. É única, escorre lentamente na face morrendo nos lábios...
Continuo a embalá-lo,como se me tivesse sido restituído um filho perdido. A vida leva...a vida traz de volta... mesmo que pelas formas misteriosas e incompreensíveis do destino.
Pouso-o finalmente e fico a olhá-lo orgulhosa...o meu livro...uma utopia tornada  realidade por misteriosos caminhos poéticos.
Deito-me de novo, e antes de embarcar no veleiro dos sonhos ainda  tenho tempo de pensar que, se calhar está na altura de fazer as pazes com esse ser superior, que aprendi na infância, nos leva ao colo quando não conseguimos andar sozinhos...

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