Jazem no chão. Em completo desalinho, os restos do que foram outrora as laranjeiras, permanecem agora caídas, espalhando folhas, ramos. As pequenas esferas laranja, lembrando miniaturas de sóis, preenchem o solo, colorindo a tristonha imagem de quem caiu em desgraça.
É a mudança. Chega muitas vezes trazendo consigo a bagagem da modernidade, transformando os locais, tentando substituir lembranças, marcar novas etapas, lavar a cara a sítios que parecem ter sido abandonados por aqueles que passam, olham, mas já não permanecem, cansados que estão das mesmas paisagens.
E é nesses momentos de mudança, que damos por nós a pensar como nos eram familiares os locais, como lhes vamos lembrar os pequenos pormenores, o que foram, como marcaram as (in)definidas lembranças dos nossos dias.
Necessárias serão para nos impulsionar para a frente, as mudanças. São as rupturas, a substituição do velho pelo novo, que nos acordam o saudosismo, e nos fazem muita vezes resistir a essa necessidade que nos é intriseca: mudar. Evoluir faz parte de todas as passagens, de todas as paisagens.
Assim as laranjeiras jazem no chão, esperando as limpezas do espaço, aguçando a curiosidade de quem passa: O que de novo se verá? o que virá marcar a diferença naquele espaço semi-morto já mais que habitual nos nosso dias?
Outras mudanças precederam estas, e assim os locais evoluem, tentando enamorar as características de uma qualquer terra ( nossas todas, um pouco) com as inovações necessárias à sobrevivência. E assim se vão preenchendo memórias para transmitir aos vindouros, de como eram , antes de o ser agora, os mesmos locais, com outras paisagens. E todas elas são nossas, essas imagens, que constroem as histórias que nos identificam como gente daqui e dali. É o saber de como era, antes de o ser agora, que constrói coesões entre as gentes, coesões entre as pertenças...
Espero-te, no final das alterações, pequeno jardim, para que me ajudes a construir uma imagem do futuro que poderei colar ao passado do lugar...
( esta crónica segue sem imagem, porque me doeram ali deitadas no chão, em desgraça, as tão familiares laranjeiras)
domingo, 28 de novembro de 2010
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Rei Sol/ Estrela Mãe
foto de EA retirada do site olhares
E que estrela é essa, que de gigantesca capacidade, aquece e ilumina mundos visíveis e invisíveis, existentes no domínio físico ou multidimensional.
Quem és tu - sempre presente - mesmo que de ti não se fale.
Sem género, que de rei sol a estrela mãe passas, de mão em mão, ao bel prazer das necessidades e se de ti nos vem alimento, também por ti a alma se veste de cores alegres - pois que sem ti nada somos senão cinzentas formas de gelo, formando esculturas frias e paradas ,que de pouco de vida reproduzem aos mundos ( reais,sonhados e imaginados)
E a música que tocam em tua honra: saem de instrumentos batimentos ritmados, que te afastam, cantando a ti músicas doutras formas, para que te chegues e encostes o calor do teu corpo celeste, aquecendo muito mais do que almas.
Termino-te sol/estrela na escuridão de quem te quer fechar na mão, ignorando a grandeza que escondes na distância que a tudo obrigas...
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
O amolador
Chove...já fez frio,mas a chuva leva as réstias da dureza que o frio trás aos dias. A liquidez da chuva permite que se escorram - por entre as margens do tempo - a solidez rígida dos dias que passam em seco.
Ouvi-o lá ao longe. A musicalidade daquele instrumento que chama a atenção, chamou a minha, chamou-me a mim... trouxe-me à memória uma cidade que também foi a minha - onde por graça se diz - que a sua presença trás a chuva. Mas a chuva veio primeiro, desta vez.
Chego-me à janela , só para o ver passar..
Lá vai passando, de aspecto simples, tal como o imaginei. Talvez mais novo, mas rostos não mostram idades ( lição importante, aprendida à custa de vivênvias pesadas).
A música sopra-se-lhe pelos lábios de um instrumento tosto, que enfeitiça à passagem... e fico a vê-lo passar, amolando facas, vidas, experiências de quem faz da vida uma luta constante de sobrevivências e encontra nas mínimas coisas momentos de intenso prazer, tal como eu... gosto tanto do som molhado de um amolador...
Ouvi-o lá ao longe. A musicalidade daquele instrumento que chama a atenção, chamou a minha, chamou-me a mim... trouxe-me à memória uma cidade que também foi a minha - onde por graça se diz - que a sua presença trás a chuva. Mas a chuva veio primeiro, desta vez.
Chego-me à janela , só para o ver passar..
Lá vai passando, de aspecto simples, tal como o imaginei. Talvez mais novo, mas rostos não mostram idades ( lição importante, aprendida à custa de vivênvias pesadas).
A música sopra-se-lhe pelos lábios de um instrumento tosto, que enfeitiça à passagem... e fico a vê-lo passar, amolando facas, vidas, experiências de quem faz da vida uma luta constante de sobrevivências e encontra nas mínimas coisas momentos de intenso prazer, tal como eu... gosto tanto do som molhado de um amolador...
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
A tranca
Era uma tranca. Uma simples tranca de madeira, em formas perfeitas. Lá dentro guardava segredos - ou pelo menos assim imaginava - quando de fronte à porta e à sua tranca, sonhava que formas, objectos, inventos se podiam esconder por detrás da porta fechada.
Simples na forma, não se poderia dizer tosca, apenas simples...
Um dia, um desses dias perdidos nos números do calendário, alguém teve a coragem para lhe mexer: surpresa! abriu sem o esforço previsível a que os anos a poderiam condenar.
Lá dentro nada de especial. Apenas velharias, objectos usados, coisas sem o menor valor ou utilidade. Não passava de uma porta fechada a esconder aquilo que ninguém necessitava utilizar...
A curiosidade e o sonho foi-se, perdeu-se desvanecido na imaginação do que poderia ser encontrado e simplesmente não foi.
Por vezes é melhor que certas portas permaneçam fechadas, estimulando o encontrar de tesouros. É bom deixar a imaginação voar, e quando a realidade, nua, crua e pouco romântica se esbate contra os nossos sonhos, ficamos a pensar apenas em como era linda, simples e misteriosa a tranca, antes de ser aberta...
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
A forma de um sonho...
Toca a campainha. O som estridente ecoa pelo corredor praticamente vazio, como uma corrente de ar frio a tentar provocar remoinho. Consegue. O peso do cansaço, não consegue ganhar a batalha contra aquele som afiado. Levanto-me a custo e ela volta a soar, sempre me perguntei porque é que quem toca a campainha deseja secretamente que estejamos logo ali, atrás da porta...
Abro-a. Com a motoreta estacionada rente à porta, sentado no assento, sorriu-me. Não consigo deixar de sorrir, apesar do peso que carrego na fronte e nos olhos. Desculpa, acordei-te. Não! conseguiste chegar uns minutos antes da sorna. Voltamos a rir os dois. Olho de novo para ele, sentado na motoreta, mesmo rente à porta e não posso deixar de pensar nas pequenas maravilhas desta terra. Qual será o outro sitio em que o carteiro se mantém sentado, junto à porta, a encetar conversas como se tivéssemos 30 segundos de conversa de café, enquanto ele faz a sua obrigação.
Hoje é uma mão cheia! retira da bolsa um pequeno pacote e sinto os meus olhos abrirem, avidos da surpresa que guarda o pacote amarelado. Junto, uma carta à qual não dou o mínimo valor. Vejo o remetente e termino a dizer-lhe que afinal valeu a pena levantar-me. Vês? o carteiro até é um bom amigo, não traz só más noticias, vá e toma lá uma revistinha para leres na casa de banho. Fecho a porta ainda a rir, depois de lhe desejar bom trabalho. As mãos parecem presas, ao tentar livrar-me do pacote, para por a descoberto o que lá vem dentro...
Sinto-lhe o toque, macio, quero absorver o cheiro, todos os pequenos milésimos de segundo que constroem o momento, este momento, único. Observo-lhe as formas, as cores, quero guardar na estante das minhas memórias o momento...
Qual é a forma de um sonho?
Quantas formas, pesos, medidas lhe podemos dar. Observo-o quase emocionada. Pequeno, tal como o imaginei nestes últimos tempos, em que fui dando esta forma ao meu sonho. Cheira a novo, a falta de mãos, de poisos, quase que me observa, procurando preenchimentos humanos, mãos que o toquem, localizações possíveis e prováveis, para o encaminhar finalmente na realidade dos dias que se seguem...
Acaricio-o e fecho os olhos, uma lágrima espreita ao canto do olho, vem acompanhar o sorriso, aquele verdadeiro, vindo do fundo desta alma, que há muito tempo não presenteava a vida com um sorriso destes. E por tão importante não poderia vir sozinho. É única, escorre lentamente na face morrendo nos lábios...
Continuo a embalá-lo,como se me tivesse sido restituído um filho perdido. A vida leva...a vida traz de volta... mesmo que pelas formas misteriosas e incompreensíveis do destino.
Pouso-o finalmente e fico a olhá-lo orgulhosa...o meu livro...uma utopia tornada realidade por misteriosos caminhos poéticos.
Deito-me de novo, e antes de embarcar no veleiro dos sonhos ainda tenho tempo de pensar que, se calhar está na altura de fazer as pazes com esse ser superior, que aprendi na infância, nos leva ao colo quando não conseguimos andar sozinhos...
Abro-a. Com a motoreta estacionada rente à porta, sentado no assento, sorriu-me. Não consigo deixar de sorrir, apesar do peso que carrego na fronte e nos olhos. Desculpa, acordei-te. Não! conseguiste chegar uns minutos antes da sorna. Voltamos a rir os dois. Olho de novo para ele, sentado na motoreta, mesmo rente à porta e não posso deixar de pensar nas pequenas maravilhas desta terra. Qual será o outro sitio em que o carteiro se mantém sentado, junto à porta, a encetar conversas como se tivéssemos 30 segundos de conversa de café, enquanto ele faz a sua obrigação.
Hoje é uma mão cheia! retira da bolsa um pequeno pacote e sinto os meus olhos abrirem, avidos da surpresa que guarda o pacote amarelado. Junto, uma carta à qual não dou o mínimo valor. Vejo o remetente e termino a dizer-lhe que afinal valeu a pena levantar-me. Vês? o carteiro até é um bom amigo, não traz só más noticias, vá e toma lá uma revistinha para leres na casa de banho. Fecho a porta ainda a rir, depois de lhe desejar bom trabalho. As mãos parecem presas, ao tentar livrar-me do pacote, para por a descoberto o que lá vem dentro...
Sinto-lhe o toque, macio, quero absorver o cheiro, todos os pequenos milésimos de segundo que constroem o momento, este momento, único. Observo-lhe as formas, as cores, quero guardar na estante das minhas memórias o momento...
Qual é a forma de um sonho?
Quantas formas, pesos, medidas lhe podemos dar. Observo-o quase emocionada. Pequeno, tal como o imaginei nestes últimos tempos, em que fui dando esta forma ao meu sonho. Cheira a novo, a falta de mãos, de poisos, quase que me observa, procurando preenchimentos humanos, mãos que o toquem, localizações possíveis e prováveis, para o encaminhar finalmente na realidade dos dias que se seguem...
Acaricio-o e fecho os olhos, uma lágrima espreita ao canto do olho, vem acompanhar o sorriso, aquele verdadeiro, vindo do fundo desta alma, que há muito tempo não presenteava a vida com um sorriso destes. E por tão importante não poderia vir sozinho. É única, escorre lentamente na face morrendo nos lábios...
Continuo a embalá-lo,como se me tivesse sido restituído um filho perdido. A vida leva...a vida traz de volta... mesmo que pelas formas misteriosas e incompreensíveis do destino.
Pouso-o finalmente e fico a olhá-lo orgulhosa...o meu livro...uma utopia tornada realidade por misteriosos caminhos poéticos.
Deito-me de novo, e antes de embarcar no veleiro dos sonhos ainda tenho tempo de pensar que, se calhar está na altura de fazer as pazes com esse ser superior, que aprendi na infância, nos leva ao colo quando não conseguimos andar sozinhos...
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Ardências
Arde ainda, tal como ardeu no primeiro momento em que alguém, num gesto de desligada incompreensão conseguiu a improvável faísca, que consumiu o que de combustível havia em seu redor. É agora apenas uma tímida chama, a manter viva a lembrança da fogueira, que consumiu toneladas da lenha, que naturalmente se carrega em braços para o seu próprio fim...
Ainda aquece, contida num pequeno lugar próprio para fins com e sem propósitos, propositadamente consumada por chamas minúsculas, que de quando em quando iluminam a escuridão que em redor tenta exorcizar o frio das noites que continuam gélidas...
São os propósitos humanos de conter as forças da natureza, que incontrolavelmente se desnorteiam, em espaços de tempo impossíveis de prevenir, pressentir ou precisar. Precisos instantes de afogueadas labaredas, em urgências brandamente apagadas com as lágrimas que o céu derrama, quando não se contenta com injustas queimadas...
Interna e externamente, eternamente consumidos, assim somos, contidos ou não, o fogo que nos arde no peito transborda mansa ou violentamente em magnânimos mantos de lava que por vezes consomem tudo em seu redor, preparando solos para outras novas incandescências...
terça-feira, 16 de novembro de 2010
A Face
Face, tela de Rui Nascimento
A face...janela de uma dimensão personalizada, para um interior familiar, que esconde os segredos contidos em qualquer moradia... outdoor publicitário, enganoso ou não, vende o produto de uma intimidade característica de quem a possui...
São traços, manchados por o que mais intimido define a conjunção dos dias. Vende sorrisos ou lágrimas em ocasiões (des) apropriadas por cada individual sentir.
A face, máscara que traz à luz um actor de grande porte, realizador de suas próprias vontades
A face, um bem de enganoso previlégio esconde vontades de se fazer valer maldosos conceitos, sem valor seguro, mas demasiado venerado pelas paletes de cor que transparece...
Produto de primeira necessidade, nos correntes dias...aprisionando por vezes quem dele não depende para valorizar o ser...
O ponto
O ponto. Pequeno sinal de grandes efeitos, local de encontro de finais e princípios...Início de algo, que por não dito, fica implícito em sentidos que poderão ser deduzidos em pontos comuns. Sentenças de um dizer que não admite dúvidas. Dúvidas que se transformam em afirmativas formas de alguma ou nenhuma aceitação.
Separador de ideias, acumulador de discursos, de dizeres, de saberes, que se unem em torno de um pequeno ponto. Sinalização certeira que transforma uma linha de pensamento, em infinitas formas de ciência e razão.
Terminus de uma declaração de intenções, inicio de uma intenção de construção escrita...
Escritos, implicitamente falados, os pontos determinam os caminhos que seguimos, o que deixamos para trás, as direcções que pretendemos dar ao futuro.
Conjunto de encontros entre duas formas opostas de saber, letras e números em consonância, numa dança de regras que pretendem organizar narrativas, formas de expressão, numeradas explicações da vida...
O ponto, pequeno sinal da grandeza demonstrativa que se formam de pequenos nadas as sapiências da vida
Separador de ideias, acumulador de discursos, de dizeres, de saberes, que se unem em torno de um pequeno ponto. Sinalização certeira que transforma uma linha de pensamento, em infinitas formas de ciência e razão.
Terminus de uma declaração de intenções, inicio de uma intenção de construção escrita...
Escritos, implicitamente falados, os pontos determinam os caminhos que seguimos, o que deixamos para trás, as direcções que pretendemos dar ao futuro.
Conjunto de encontros entre duas formas opostas de saber, letras e números em consonância, numa dança de regras que pretendem organizar narrativas, formas de expressão, numeradas explicações da vida...
O ponto, pequeno sinal da grandeza demonstrativa que se formam de pequenos nadas as sapiências da vida
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
D. Alice
Posso falar de tamanhos. Tamanha pode ser a grandeza da quantidade humana que se pode encontrar num pequeno corpo. Um olhar de criança, felicidade contida nos olhos, que a idade permitiu, a certeza de ter visto muita coisa. Coisas que de certeza não sei, não conheço, e na probabilidade que se podem dar as certezas, que tanta gente desconhece.
As marcas do tempo na face e no corpo, as debilidades próprias de quem vê a juventude já ida, não lhe acorrentam as vontades de ser jovem. E não fossem as marcas visíveis, ninguém lhe daria a idade que tem.
Assim é D. Alice. De braços abertos à chegada de estranhos, que por mãos amigas lhe chegam. O orgulho na sua gente , nas suas raízes, transborda em seu redor, e extravasa naqueles que com ela compartilham o sangue. Foi o seu saber, a sua vivacidade, que transmitiu aos seus, aquela alegria e orgulho nas suas origens, no seu modo de vida.
Dando o melhor do que é seu, D. Alice recebe a vida e o que os outros lhe têm para dar.
Tem a musicalidade na alma, e nunca se nega a cantar as suas vivências. Misturada entre um arco-íris de idades, D. Alice é a mais jovem de todos. As horas não passam, o corpo não cansa enquanto houver alegria e algo a compartilhar. Despindo-se do seu conforto, não guarda o melhor para si, para que todos se sintam em casa.
E aquela foi de facto a minha casa. Ali revivi uma forma de estar na vida à qual tinha fechado os olhos, em compassos de vida que agora pretendo fechar na gaveta. São outros sons os que ouvi ali. Uma pequena grande lição. De braços abertos podemos dar e retribuir o melhor de nós e de certeza sermos felizes.
As durezas da vida, não endureceram a perspectiva de vida desta grande senhora. Um sorriso aberto e largo, que transmitiu à sua prol, aos seus pintos. E não a julguem galinha velha. A juventude habita em si , como habita em todos aqueles que negam ao tempo as suas marcas, restituindo com amizade e alegria as amarguras da vida.
São os pequenos gestos que fazem grandes as pessoas...
Obrigado D. Alice pelos seus braços abertos, pela sua alegria e pelo que ensina apenas pelo seu jeito de ser, a todos quantos a conhecem.
Porque a nossa gente é gente boa apesar da incerteza que por vezes a vida contém...
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
*Crónicas de uma terra qualquer* # 5
Foto de Luis Nilton Corrêa retirada do site Olhares
No entanto, se faltar ao fim do dia ou àquelas horas em que o movimento da terra se torna mais suave, o som dos sinos a badalarem as horas repetidas a cada 12 horas, parece que uma tristeza que ninguém sabe de onde vem, se abate sobre os dias que as pessoas teimam em fazer diferentes. Mas as pessoas gostam de rotinas. São as rotinas , algumas, que as mantêm ligadas como que por um fio invisível a uma qualquer vida que imaginaram ser a sua. É esse o ofício do relógio da torre. Para além de bater as horas dos dias, bate também no interior de cada um de nós e lembra-nos que estamos em casa. Porque a nossa casa, a nossa terra é construída, constituída, por pequenos pormenores rotineiros que vamos apreendendo como sendo nossos, como pertencendo aos nossos dias, dando-lhes alguma segurança e sobretudo a sensação de pertença.
Mas a torre está velha, mesmo com os sinos a teimarem não perder a sua voz. A torre lembra nestes dias, a tristeza que vai nos olhos de quem passa apressado na rua. As coisas bonitas deixaram de ter tanta importância. Hoje o que preocupa são as bases, o necessário, o incontornável. Desde que vá tocando, já ninguém repara nas paredes velhas a necessitarem pintura, já ninguém quer saber que, se rodeados de maior beleza talvez nos sintamos melhor, nós os que passamos. E é por deixarmos de nos importar com as coisas que nos tornam mais felizes, que nos afundamos em preocupações de sobrevivência em vez de em alegrias de vivência.
A torre está velha, a necessitar de pintura, e todos podem fazê-la brilhar naquele que é o seu lugar, naquela que é a sua função, de novo. Se se lembrarem, que em conjunto, têm mais poder, mais ideias, mais valor, as pessoas da Terra não vão deixar a torre perder a sua beleza.
Juntar forças em tempos de sacrifícios, sempre foi uma regra primordial humana desde os tempos mais remotos, será que ainda nos lembramos desses velhos ensinamentos que aprendemos nos livros de história? Será que ainda sabemos que não é deixando entrar a tristeza, não é deixando cair a beleza, que vamos conseguir manter vivas as torres das nossas terras?
Fim de tarde
foto flying to you de António Leão retirada do site olhares
Fim de tarde. A enorme esfera laranja no firmamento, pincela em tons de fogo o mar e céu. Lá mais abaixo eles discutem. As vozes exaltadas chegam-me e escapam-se rasgando a privacidade da praia aparentemente solitária.
As vozes mentem. Disparam palavras ocas que desfiguram o que as faces mostram. Em vão...tanta palavra gasta em vão, em frases que por si só não dizem nada. Evocam factos que contrariam os sinais dos corpos.
Afasto-me, não me interessam zangas onde apesar conseguir extrair verdades, não posso interferir. Bastam-me os meus silêncios, a espera absurda na tentativa de saber de ti, de nós. Bastam-me as saudades com que gostas de me vestir, para que me olhe ao espelho e me sinta confortável só com o que é meu.
Faltam- me o brilho da tua pele, o som da tua voz, a segurança das palavras sensatas com que me presenteias nas tuas presenças. É a tua presença que me falta agora, para a perfeição. Viciaste-me da tua conversa presente.
Desço até ao mar e molho os pés, sorrio e apercebo-me que fui feliz, irra fui feliz nos momentos que partilhamos, ainda tão próximos na minha pele, e tão salgados como esta água que beija os pés.
E não quero, não quero vestir a capa, quero continuar a molhar-me em ti ...
Reeditado
5.07.2010
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Naturalidades
Balança ao vento, leve... Ao fundo, o céu pinta-se das cores de mais um fim de dia. O fogo da luz poente queima o horizonte e as nuvens fingem um fumo espesso, de uma tarde ardente que se vai a cada segundo em que sol se vai escondendo, mais e mais.
Brinca com a sua própria fragilidade, deixando que o vento lhe balance a pequena linha que a torna recta. Toda ela dança, como se fosse impossível que as raízes se afastem da Terra mãe que a agarra à vida, e que lhe mantém a seiva dinâmica que a sustem.
Esquece-se, por momentos, que basta uma brisa descontrolada para que tudo se vá, e deixa-se ir na dança, feliz. Assiste ao espectáculo de luz e movimento, a natureza no seu perfeito equilíbrio, sem temer uma menos responsável atitude do vento, brincalhão...
E uma tarde de sol poente, ardente, ganha contornos de eternidade para a pequena silvestre dançarina, esquecida que se fez, da efemeridade, para tornar um momento, num retalho da sua feliz naturalidade
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
A flor
Uma flor como outra qualquer. De especial, apenas o sitio onde a plantaram...Nasceu envolta em sorrisos música, muitas e muitas palavras, que a faziam sentir-se acompanhada, mesmo sabendo que demasiadas vezes as palavras não lhe eram dirigidas, e em todas elas, a resposta era-lhe naturalmente impossível. Talvez tenham sido palavras a mais, a natureza também necessita de silêncio, tal como o dia se completa com a noite.
Uma flor...nasceu com uma matriz diferente das demais que a rodeavam, mas isso não saltava à vista facilmente. Raiada, misturava cor, num conjunto estranho. Dei com ela numa manhã calma. Numa manhã daquelas em que o sol parece querer abraçar-nos com o seu agasalho quente, enquanto o vento se debate para apoiar um Inverno que não se quer fazer rogado.
Entre sorrisos, e músicas, lá estava ela, parada, ouvindo tudo, como se quisesse fazer parte de todos os momentos que a vida desfolhava naquela manhã.
Decidi trazê-la comigo...guardada numa imagem que posso reproduzir, em que posso comandar sombras e fazer brilhar cores. Guardada no meu bloco de memórias visuais, a flor e a sua imagem lembram-me que imagens são apenas isso mesmo, que manipuladas ao nosso gosto, nunca ião substituir aquela flor, mesclada de cores de fogo que permaneceu viva através da alegria que a rodeia...
domingo, 7 de novembro de 2010
A bruxa
A bruxa - tela de Rui Nascimento
Povoa o nosso imaginário desde tenra idade, trazida pelas histórias fantásticas contadas à lareira por aqueles que não sabem onde a colocar nas prateleiras da história e da imaginação. Encarna os terrores, a maldade, os horrores com que a desesperança pinta as nossas frustrações. É atirada para um exterior desconhecido e lá magica desgraças para recolher os proveitos do sofrimento alheio. E existe apenas em nós, quando baixamos os braços e nos deixamos vencer pelos nossos próprios medos. Existe apenas no interior das imagens que reproduzimos para as nossas perdas. A bruxa é a imagem das derrotas que evitamos assumir quando paramos de lutar e acreditar. Dando-lhe forma, exorcitamos as nossas histórias e devolvemos-lhe os contornos fantásticos de personagem imaginária que encarna as lutas que temos que travar contra as nossas próprias limitações. É esse o papel das bruxas em todas as nossas histórias reais ou imaginárias...
Reflexões imaginadas
Há sons que não se conseguem descrever, por muito que se tente.
A água escorre por entre os obstáculos do caminho, se fechar os olhos parece que chove, mas não, é apenas a água a queixar-se de todas as imperfeições que encontra no seu caminho... E como é consolador ouvi-la queixar-se ( como se as queixas pudessem consolar alguém), mas de qualquer forma o choro dolente da água que passa, transmite uma paz que só os encontros com a natureza conseguem dar. É quase uma verdade, daquelas sem possibilidade de refutação, os encontros com a natureza conseguem devolver-nos a paz interior, seja essa a natureza que nos rodeia, ou a nossa própria natureza.
O sol parece querer lutar com o frio que se sente e que acompanha as cores de que se vestiram as copas das árvores, como se no seu próprio código, ambos soubessem os significados presentes em cada nova cor.
O espelho de água devolve a vaidade da paisagem e o ribeiro corre alheio aos meus pensamentos. Os montes envolvem-nos num abraço protector, mas não demasiado apertado, como se desejassem dar-nos liberdade para nos movimentarmos e contemplarmos todo o esplendor que nos rodeia.
Ali perdida ou tão somente achada nos meus pensamentos percebo que são as pequenas coisas, os pequenos momentos de reflexão como estes, que me enchem o peito de uma energia crescente capaz de me impulsionar em frente contra as tempestades dos nosso dias que temos que ultrapassar para conseguirmos alcançar os nossos objectivos...
terça-feira, 2 de novembro de 2010
*Crónicas de uma terra qualquer * # 4 // Cidões
Como todas as tradições trazidas das profundezas dos tempos ancestrais, pelo frágil fio condutor da oralidade, ninguém sabe onde exactamente é que começou...Há quem acredite que foram os Celtas que trouxeram estas celebrações nos seus cultos à mãe natureza.
Assim numa aldeia perdida entre os silenciosos e iluminados montes do norte do nosso país, uma aldeia como tantas outras espalhadas por esse país fora, mantêm-se vivas as memórias de tempos perdidos, festejando-se ainda as tradições e as festas populares. Mas não é só a tradição que se celebra. Celebra-se a vida, que parece querer abandonar a velha aldeia, que no seu dia a dia mantém rotinas iguais desde há décadas atrás, e que foi perdendo os seus rebentos em favor de aglomerados de gente que se rendeu ou foi obrigada a render-se à chegada da modernidade. Essa vida que chega nos rostos de todos aqueles que mantêm ali as suas raízes apesar de florescerem em terras distantes, ou de todos aqueles que como eu vêm trazidos pelo gosto ao que é nosso, ao que ainda é genuíno e que mantém a nossa identidade como povo e como gente.
E ali celebra-se a vida e a música, o companheirismo e a arte de bem receber, há sempre uma porta aberta e um sorriso pronto a ser oferecido o outros que ninguém sabe de onde vêm e de onde são, mas que são sempre bem vindos e onde ninguém se faz rogado a partilhar o pão, o vinho , a carne e a música que nasceu no peito e do trabalho daquelas gentes e que partilham com todos como se amigos de longa data se tratassem. É aqui que ainda se pratica a expressão bem portuguesa, amigos dos meus amigos meus amigos são...
A noite começa aquecida pela enorme fogueira que afugenta o incómodo das noites frias que trás o inicio de Novembro. As labaredas afogueiam a caminho dos céus, iluminado a noite e as vidas. Dizem que simboliza a renovação,o renascimento, a transformação do que foi mau em algo novo que se quer precioso e vivo como as chamas que aquecem e iluminam a noite. A cabra machorra ( leia-se matchorra e significa que a cabra é estéril, ou seja não procriou ) é cozinhada e distribuída por todos os que aqueles que ali se encontram, cozinhada de forma aguçar o apetite exigente de quem gosta do que é bom e tradicional, o vinho banha e multiplica-se pelos copos escorrendo nas gargantas secas de quem convive e canta. Aqui e ali grupos de gente inicia espontâneamente os seus cantares e partilham-se cantigas e moditas que todos sabem e que todos aprendem...
O Diabo chega na sua carroça barulhenta e vem saber quem comeu a cabra. Na sua volta pela povoação vai espalhando o "terror", semeando o caos e a desordem à sua passagem e o barulho invade a noite que é trespassada pelos risos e pelas brincadeiras que ninguém leva a mal e que fazem parte da alma das gentes... Por fim é servida a queimada uma aguardente de sabor surpreendente e que é servida ainda em fogo.
Termina-se a noite com as voltas à fogueira pedindo-se que o novo ano que com o inverno se pretende que renasça, traga prosperidade e boas vivências. A música e a boa disposição preenche o resto. Gente amiga e acolhedora espalha alegria pelos que os rodeiam e mantém vivo o que por inadaptação estaria condenado à morte lenta. Mas é o amor ao que é nosso , que nos caracteriza, o amor à vida e à forma de bem viver que mantém esta forma de sermos gente e que vai mantendo viva, através da perpetuação dos festejos, uma tradição que ao passar de geração em geração atravessa a longa cruzada dos tempos, levando ecos das nossas vivências através dos milénios.
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