Dizem que tenho Alma de poeta. É possível, mas para além de poeta, sou mulher, fui criança, sou ser humano. Na grande maioria das vezes vejo e sinto coisas que só sei expressar por palavras, por imagens. É um jeito de ser... é o meu jeito de pôr a Alma no scriptum...

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Caminhos



Subimos a avenida, tentando arranjar estacionamento ainda difícil apesar da hora. Passa-me pela ideia que provavelmente há uns anos atrás, toda esta confusão para arranjar sitio para comer me traria alguma indigestão. Sentamo-nos e pedimos os petiscos ainda disponíveis. Estou diferente. É diferente a forma como encaro a vida, como encaro o que me acontece, até talvez como encaro os outros e a mim própria...
Um conjunto engraçado de gente que se juntou à mesa, quatro pessoas, todos divorciados, três completamente desconhecidos entre si, em torno de uma amiga em comum que aprecia a nossa presença num dia especial. As conversas vagueiam entre o trivial e desvendar de vidas pautadas por coisas boas e menos boas. Descobrem-se segredos, confessam-se penas, sonhos, esperanças entre piadas que vou contando para animar a noite e não deixar que a desesperança preencha espaços vazios. Ao fundo a música latina anima o ambiente, soltando notas e imagens através de um canal que me foi impossível identificar e à minha frente, talvez embalada pelas baladas, a vida do casal que se atreveu tentar de novo vai-se fortificando em carinhos e beijos. Deste lado da mesa a conversa gira em torno da educação dos filhos.Passam horas divertidas e alguém pede uma bebida. Não aceito, os quilómetros que me esperam e a noção de responsabilidade falam mais alto. Estou diferente, sinto-me diferente, demasiadas vezes a noção de responsabilidade me fez parar, quando devia ter avançado. Conheço-me o suficiente para saber os meus limites e decido aceitar. O travo doce e suave da bebida ligeiramente pastosa, misturada com a acidez do álcool sabe-me bem e permite-me uma ínfima sensação de felicidade por me conseguir libertar por momentos do fantasma da perfeição.
A noite chega ao fim. O carro estacionado sem cuidado entre os outros encontra-se agora sozinho, embora na avenida ainda circulem demasiadas luzes numa cidade que também quer teimar em não parar. Muitos mundos distantes se cruzam tão próximos nestas vias movimentadas.
De frente para o Marquês vejo passar-lhe por cima um avião com as suas luzes psicadélicas, e tenho a ilusão optica que o avião não vai falhar a cabeça do Marquês. Riu à gargalhada, por muito visionário que fosse, nunca o Marquês sonharia com pássaros de ferro a sobrevoar-lhe a cabeça.
Faço a rotunda e entro no túnel, obrigada a diminuir a velocidade pelos controlo de radar. Quantas vezes durante os últimos anos a minha vida me pareceu um túnel, obrigada a abrandar constantemente... Perdida em pensamentos, falho a saída para a ponte. Esta é uma das coisas que me agrada em Lisboa, é que tal como na vida, quando erramos o caminho podemos facilmente encontrar outra forma de seguirmos o nosso trajecto, basta procurar...

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