Dizem que tenho Alma de poeta. É possível, mas para além de poeta, sou mulher, fui criança, sou ser humano. Na grande maioria das vezes vejo e sinto coisas que só sei expressar por palavras, por imagens. É um jeito de ser... é o meu jeito de pôr a Alma no scriptum...

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Retalhos da tradição



Ontem, por mera coincidência, encontrei-me à porta daquela que foi,  na minha terra, a grande precursora das lojas de utilidades. Ali havia de tudo, desde o mero alfinete até ao chapéu, passando pelas lanternas ou as passadeiras não esquecendo as toalhas de mesa.
O ambiente era agora de total desarrumação, contrastando com as imagens que me ficaram de desorganização organizada, numa casa onde havia de tudo. Espalham-se  agora, por entre o balcão e as prateleiras, os restos do que sobrou de um passado de movimento continuo, de alguém que buscava alguma coisa e sabia onde encontrar.
Fala-se hoje sobre o que ficou: os chapéus, de fabrico português provenientes das melhores fábricas da altura (falamos dos anos 60 do séc. passado) e outros artigos que ainda restam, quase intactos.
A mim, sempre me encantou a máquina registadora: imponente na sua luzidia altivez, ocupando lugar de destaque atrás do comprido e pesado balcão em madeira maciça; cumpriu a sua missão até ao fim, e ali ficará, pedindo um lugar de destaque num qualquer museu, que lhe dê a importância histórica que merece ter ( de fabrico português, quase que aposto).
O sr Décio vai fechar as portas. Os três que por ali o ouvimos, somos mais novos do que alguns dos artigos que repousam nas prateleiras - prontos para iniciar o adormecimento  a que todos os finais de história obrigam-, mas queremos guardar na memória os retalhos da nossa infância.
Não resisti a uma fotografia com a máquina que tanto me encantava, e o homem, que mesmo ao fim de todos estes anos - de ter visto o genuíno artigo português ser substituído por uma qualquer chinesice -, continua a falar do seu oficio como se estivesse pronto para vender tudo o que nas prateleiras um dia existiu.
É o amor à nossa arte que nos mantém sempre jovens no saber fazer. A loja envelheceu, o homem não pode lutar contra o tempo; mas o jeito de quem fez do falar com as pessoas o seu modo de vida permanece intacto, mesmo que entre elas exista um fosso de tantos anos quantos aqueles que são os meus, e mais alguns.
O arquivo da Câmara documentou o acontecimento: para que se lembre mais tarde a importância do estabelecimento na economia e na vida social locais. Eu guardarei na minha memória e partilho convosco, por medo que um dia, possam já não existir casas assim, de comercio tradicional, que vão morrendo aos poucos, por falta de alimento e inanimadas do movimento de outrora.

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