Dizem que tenho Alma de poeta. É possível, mas para além de poeta, sou mulher, fui criança, sou ser humano. Na grande maioria das vezes vejo e sinto coisas que só sei expressar por palavras, por imagens. É um jeito de ser... é o meu jeito de pôr a Alma no scriptum...

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Cenários incomuns



Existem por vezes certas coisas que parecem não encaixar.
Choveu: ao despertar a luz do sol - ainda a beijar as gotas anafadas de uma chuva que parecia não querer abrir as cortinas do dia - o inevitável aconteceu: no firmamento desenhou-se um esplendoroso arco íris a pincelar o céu  (ainda ou já  escuro) com as cores com que se pintam os sonhos. De súbito a agressiva chaminé iluminada teve uma companhia inesperada. Uma combinação incomum, mas que nem por isso intimidou o brilho do arco íris. A minha manhã começa  assim, com uma imagem clara e fotogénica de que não há lugares comuns para os instantes, e que a beleza ocorre em qualquer lugar, a qualquer momento, sem se importar com o aparente desajuste de cenário.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Retalhos da tradição



Ontem, por mera coincidência, encontrei-me à porta daquela que foi,  na minha terra, a grande precursora das lojas de utilidades. Ali havia de tudo, desde o mero alfinete até ao chapéu, passando pelas lanternas ou as passadeiras não esquecendo as toalhas de mesa.
O ambiente era agora de total desarrumação, contrastando com as imagens que me ficaram de desorganização organizada, numa casa onde havia de tudo. Espalham-se  agora, por entre o balcão e as prateleiras, os restos do que sobrou de um passado de movimento continuo, de alguém que buscava alguma coisa e sabia onde encontrar.
Fala-se hoje sobre o que ficou: os chapéus, de fabrico português provenientes das melhores fábricas da altura (falamos dos anos 60 do séc. passado) e outros artigos que ainda restam, quase intactos.
A mim, sempre me encantou a máquina registadora: imponente na sua luzidia altivez, ocupando lugar de destaque atrás do comprido e pesado balcão em madeira maciça; cumpriu a sua missão até ao fim, e ali ficará, pedindo um lugar de destaque num qualquer museu, que lhe dê a importância histórica que merece ter ( de fabrico português, quase que aposto).
O sr Décio vai fechar as portas. Os três que por ali o ouvimos, somos mais novos do que alguns dos artigos que repousam nas prateleiras - prontos para iniciar o adormecimento  a que todos os finais de história obrigam-, mas queremos guardar na memória os retalhos da nossa infância.
Não resisti a uma fotografia com a máquina que tanto me encantava, e o homem, que mesmo ao fim de todos estes anos - de ter visto o genuíno artigo português ser substituído por uma qualquer chinesice -, continua a falar do seu oficio como se estivesse pronto para vender tudo o que nas prateleiras um dia existiu.
É o amor à nossa arte que nos mantém sempre jovens no saber fazer. A loja envelheceu, o homem não pode lutar contra o tempo; mas o jeito de quem fez do falar com as pessoas o seu modo de vida permanece intacto, mesmo que entre elas exista um fosso de tantos anos quantos aqueles que são os meus, e mais alguns.
O arquivo da Câmara documentou o acontecimento: para que se lembre mais tarde a importância do estabelecimento na economia e na vida social locais. Eu guardarei na minha memória e partilho convosco, por medo que um dia, possam já não existir casas assim, de comercio tradicional, que vão morrendo aos poucos, por falta de alimento e inanimadas do movimento de outrora.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O cinzento da imensidão



Um emaranhado de ramos secos espreitam a imensidão da paisagem. As nuvens saturam de um cinzento que se faz imagem, o que poderia ser a leveza de um quadro pintado a frescas recordações. As verdes montanhas pintalgadas de branco - que não vingaram no meu enquadramento -  despovoaram as memórias; apenas o cinzento do céu permaneceu incólume, como se só ele tivesse ficado retido.
Onde buscar a cor? Onde pintar o céu de cores originais, não forçadas; de cores algures imaginadas? Lavando  as memórias de uma chuva que esvazie o silêncio do cinzento, talvez se possam ao arco iris roubar as cores,  espalha-las sem cobrar um preço imaginário, pintando de novo as imagens que não retive.
De que cor pintar o natural esbracejar de uma árvore que não controla as suas ramagens? Com que folhas cobrir a frieza de uma copa desnudada?
Falta-me a imaginação para retocar os defeitos da paisagem, faltam as cores; falta talvez a chuva, para que se molhem as secas saudades dessas imagens imperfeitas que não retive.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O meridiano

marca simbólica do ponto onde passa o meridiano de greenwich - Espanha


Divide longitudalmente o mundo, definindo o oriente e o ocidente. É o ponto zero, a referência horária; uma outra marca da incessante tentativa do Homem em organizar o mundo, a vida, as passagens, o tempo em que se gere.
São marcas simbólicas - que atravessam gerações e distâncias - quase imperceptíveis para quem passa, sem atentar as pequenas coisas.
Longitudes que misturam tempos e espaços; fazendo a junção entre o que se vê e o que sendo real não passa de uma mera contabilidade organizativa. Mas é essa contabilidade que nos vai pautando os dias, iniciando um ponto zero, finalizando num ponto desconhecido.
O nosso tempo é regido por demasiadas convenções, muitas vezes necessárias ao bom funcionamento das instituições, que são a base da sociedade. Assim organizando tudo, a Homem tem a falsa noção de controlo sobre a passagem do tempo, sobre o comando da vida; sobrepõe-se às velocidades dos horários, ao incontornável descontrolo que o destino pode instilar nos dias, dando significado e peso ao livre arbítrio.
Árbito de si mesmo, o Homem autocontrola-se gerando regras às quais - demasiadas vezes- não quer, nem sabe como seguir.
Infinito, divide-se entre o querer e o poder, mostrando ao mundo as marcas do poder, escondendo - sempre que pode - as marcas do querer. É no meio termo, no ponto zero, no equilíbrio que se define tudo o resto. Cada meridiano da vida, define uma nova forma de definir o tempo, de encarar o espaço,  de equilibrar a vida.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Um pouco mais do que melhor

foto de Maria José Amorim retirada do site Olhares


Passam as festas, passam as folgas, gasta-se a folga de ar que nos inspira a esperar novos momentos; e tudo volta ao inicio.
Acorda-se, o mesmo lençol, o mesmo quarto, o mesmo cheiro a vida, com novas diretrizes -  dirigem-se sentidos, impulsionam-se vontades.
Os móveis mantém-se imóveis, na posição em que os deixamos no ano a que por passado se chama velho; o novo que começa no um do primeiro a quem chamam Janeiro ditará novas decorações;
11 dias após o solisticio, o ano 11 do novo milénio traz consigo a esperança de que, o que se julga ser mau, seja um pouco mais do que melhor que o que passou.
Mudamos os móveis, aprumamos as intenções e tomamos rédeas ao caminho, que a olhar para trás só se pode cair - as poças de lama que a chuva deixa secarão com o chegar do sol - e nem só de quebras se faz uma página.


Acordar

 Um dia,quando começa, parece igual aos
outros. A mesma luz que entra pela janela,
ruídos de obras e automóveis, vozes...Mas
o que nesse dia me falta é outra coisa:
a tua
voz, a surpresa de cada instante que me dás,
uma luz diferente que não vem de fora, da 
mesma rua e do mesmo céu, mas de dentro
de ti. Assim, o que faz a mudança do mundo
e das coisas não é o mundo nem as coisas:
somos nós, e a relação que nos prende um ao
outro - isso que, não sendo nada para fora
de nós, é tudo o que temos nesta vida.

Nuno Júdice in Pedro, lembrando Inês